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A sociedade literária e a torta de casca de batata (Entre porcos e livros!)

 

Eu jamais iria ridicularizar alguém que gostasse de ler.
(Juliet para Amelia)

 

A sociedade literária e a torta de casca de batata é um desses livros do qual, não quero me separar. Quero andar com ele pra cima e pra baixo, não importando se ainda há páginas para serem lidas ou não.

 

As autoras Mary Ann Shaffer e Annie Barrows contam a história de Juliet Ashton, uma escritora inglesa que está em turnê de divulgação do seu último livro, logo após a Segunda Guerra Mundial, e que está em crise existencial (Dito assim parece clichê, mas é muito mais profundo do que consigo transcrever aqui no texto.).

 

O livro traz um compilado de cartas trocadas entre a escritora inglesa e alguns personagens da trama, principalmente Dawsey Adams, Sidney e Sophie. Dawsey é um fazendeiro na Ilha de Guernsey que, durante a ocupação alemã, adquiriu um livro que foi de Juliet e que na contracapa trazia o endereço antigo dela. Dawsey enviou uma carta pro tal endereço pedindo recomendação de alguma livraria em Londres, para que ele pudesse comprar um outro livro do mesmo autor, Charles Lamb.

 

Não sei como o livro foi parar em Guernsey. Talvez haja algum instinto secreto nos livros que os leve a seus leitores perfeitos. Se isso fosse verdade, seria encantador.
(Juliet para Dawsey)

 

É desta forma que eles se conhecem e que Juliet toma conhecimento da existência da “A sociedade literária e a torta de casca de batata”, um clube do livro criado em meio à Segunda Guerra Mundial, para que alguns moradores de Guernsey escapassem da fúria dos soldados alemães. Nas cartas trocadas por Juliet ela faz muitas menções à importância dos livros e expressa, claramente, seu amor por eles. No mesmo sentido, as autoras também deixam claro qual é o perfil de leitura de Juliet:

 

É isto que amo na leitura: uma pequena coisa o interessa num livro, e essa pequena coisa o leva a outro livro, e um pedacinho que você lê nele o leva a um terceiro. Isso vai em progressão geométrica – sem nenhuma finalidade em vista, e unicamente por prazer.
(Juliet para Dawsey)

 

Em uma das cartas para Sidney, seu melhor amigo e editor, Juliet relembra algumas histórias de quando foi livreira, junto com sua amiga (e irmã de Sidney) Sophie, e isso me fez lembrar dos meus métodos para vender livros:

 

Vendedores de livros realmente convictos, como eu e Sophie, não conseguem mentir. Nossos rostos sempre nos denunciam. Uma sobrancelha erguida ou uma boca torcida revela que o livro não vale a pena, e os fregueses espertos, então, pedem uma recomendação, e nós os encaminhamos para determinado livro e ordenamos que eles o leiam. Se eles o lerem e não gostarem, nunca mais voltarão. Mas, se gostarem, irão tornar-se fregueses para sempre.
(Juliet para Sidney)

 

Em outra correspondência para Sidney, Juliet conta para seu melhor amigo o motivo do término de seu noivado com Rob: quando decidiu que estava pronta para dividir seu apartamento com o noivo, ela fez todo o processo de esvaziar gavetas e liberar espaços… Mas antes de Rob finalizar sua mudança, ele esvaziou as estantes dela (Que estavam com seus melhores livros!) para colocar seus “troféus atléticos” e suas premiações por caça. Seu (ainda) noivo colocou os livros nas caixas, e quando ela abriu a porta de seu apartamento, ele estava sentado nelas, terminando de fechar a última:

 

‘Olá, querida. Não ligue para a bagunça, o porteiro disse que vai me ajudar a levar estas caixas para o porão.’ Ele apontou para as minhas estantes e disse: ‘Elas não ficaram ótimas?’

 

Eu só consegui berrar: ‘Como você teve coragem! O que foi que você FEZ?! Ponha meus livros de volta!’ […] Ele bufou, resmungou e saiu. E eu desempacotei os meus livros.

 

Em várias cartas, principalmente nas primeiras, me identifiquei com Juliet, que depois de conhecer o grupo de amigos que criou o clube do livro (Com a intenção de evitar a prisão por soldados alemães.), se vê inspirada a escrever seu novo livro e, também, ressignificar “a vida, o universo e tudo mais”.

 

Eu, particular e abertamente, sou como Juliet: vejo nos livros qualquer possibilidade de transformação benéfica! A sociedade literária e a torta de casca de batata é uma ode ao livro e uma festa para os amantes deles!

 

O fato é que esse compilado de cartas trouxe (E traz!) à tona todo amor que sinto pelos livros e ratificou a importância deles em minha vida! Sabe, esse livro não é o que os críticos literários e os “leitores-que-curtem-clássicos” classificariam como espetacular, mas ele é sim um livro magnífico… que aqueceu (E aquece!) meu coração de uma maneira maravilhosa!

 

É como se as autoras o tivessem escrito para homenagear todos os livros do mundo, e falar sobre como eles transformam e salvam vidas todos os dias (Sempre digo isso por aqui, né?!)… E elas fazem isso de uma maneira tão clara, simples e carinhosa…

 

Ficha técnica

Título original: The Guernsey literary and potato peel pie society

Título brasileiro: A sociedade literária e a torta de casca de batata

Autor: Annie Barrows & Mary Ann Shaffer

Tradução: Léa Viveiros de Castro

Editora: Rocco

 

Este texto foi revisado por Lorena Almeida.


Ps¹: senti falta de capricho na impressão e colagem do meu exemplar. A capa descolou no vinco de uso e na lombada antes que eu chegasse na metade do livro. Ainda sobre a impressão, algumas páginas estavam com o texto muito claro, outras (poucas) com o texto muito escuro, e em outras, me deu a sensação de um texto ter sido impresso sobre o outro.

Ps²: Todas as citações que constam neste texto foram transcritas como estão no livro.


Com carinho, Cotovia Literária!

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