Mais um texto sobre um livro da Editora Biruta que, com certeza, precisa habitar, também, as prateleiras das bibliotecas escolares. No livro que esse texto aborda, há uma luta, quase subliminar, a favor das ciências das artes e do respeito ao Outro. Há nele também, uma abordagem direta sobre permitir que o Outro seja quem ele é... não menos importante, o autor, Alex Nogués, traz em seu texto questionamentos sobre a diferença entre custo e valor. Por sua vez, a ilustradora Bea Enríquez, presenteia o leitor com seu belíssimo trabalho (Originalmente em aquarela? Acho que é!) que, como diria minha avó, “faz pareio” com a belíssima narrativa, principalmente ao traduzir a personalidade de Sofia! Adulto, querido, leia o brilhante A praia dos inúteis, e o faça antes de destiná-lo à sua criança! Você merece isso!
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A Sofia, caro leitor, é uma personagem adorável, que te faz querer parar e pensar sobre a vida da maneira mais leve possível! Ela tem onze anos e meio e, em uma de suas aulas, respondeu à sua professora que quer ser inútil. Não! Ela não quer ser youtuber, gamer, astronauta, médica... ela quer ser I-NÚ-TIL! Sua resposta, claro, foi motivo de muita risada, irritação da professora e também foi motivo de um bilhete para seu pai.
(O pai de Sofia aceitou uma proposta de trabalho em outra cidade, porque a remuneração era melhor mas, por conta disso, a mãe dela teve que abandonar o trabalho na floricultura e o pai passou a trabalhar ainda mais!)
O tal bilhete causou mais
estremecimento na relação de Sofia com o pai, porque foi quando Sofia descobriu
que o pai era uma daquelas pessoas que considera as profissões da área de
humanas, sem valor. Para ele, a filha tinha que ser médica, engenheira,
advogada... essas profissões que (infelizmente) têm mais status social.
A história, narrada por
Sofia, gira em torno desses questionamentos sobre o valor do dinheiro, do
trabalho e, principalmente, o valor do Outro; mas sempre tendo a praia como
refúgio da personagem principal. É na praia dos inúteis que ela se encontra com
o que traz paz ao seu coração e, também, alimenta seus sonhos desfeitos pelo
pai.
Não porque o pai é um
monstro, mas porque ele está sempre sem tempo, trabalhando, insensível às
tentativas de contato da filha. E é a partir dessa insensibilidade paterna, que
Sofia faz as narrativas sobre suas visitas à praia com seus dois melhores
amigos, Juan e Elena! Juntos, eles fazem criativas e divertidas incursões
litorâneas, durante as quais encontram personagens, digamos, pitorescos –
risos.
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Nogués desenvolveu uma
narrativa leve e sensível, mas que, paradoxalmente, chama duramente o leitor
para um debate consigo mesmo sobre valores. Afinal, “Quanto custa?” e “Quanto
vale?” são perguntas diferentes e com respostas muito diferentes!
Quando Sofia conta sobre sua
terceira ida à praia, apenas com sua mãe, o autor revela o olhar sensível e
muito amplo da personagem, sobre o casamento dos pais e sobre a vida que o pai
escolhera:
"A
minha mãe mudou porque o meu pai mudou. Às vezes, parece estar de luto, como se
meu pai tivesse morrido. Acho que, naquele dia, a brisa aliviava um pouquinho a
dor que sentia e ela procurava o meu pai, aquele pai que ela ainda trazia
dentro de si [...]"
E por esse caminho Sofia
foi me encantando com seu olhar doce, bem humorado e direto para a vida. Os
suspiros do pai antes de um convite para o monólogo sobre o bilhete enviado
pela escola, e a falta do olhar paterno para os verdadeiros valores da
personagem foram dois pontos cruciais pra mim, sabe?! É difícil, pelo menos pra
um leitor regular, não fazer qualquer tipo de associação entre a personagem e o
próprio leitor. Essa intertextualidade que Nogués explora é bonita demais!
"Como
as palavras podem ser tão belas algumas vezes e, em outras, tão cruéis? Será
que é para nos preparar para aceitar injustiças?"
Sofia é intensa, né?!
"Eu
me sinto mais viva com Kandinsky ou com minhocas do que com uma fração no
papel."
Quem é “de humanas”
entende bem o que a personagem principal quer dizer, porque ela enxerga “além
do que se vê”!
"De
certa maneira, a praia estava ali. Um pormenor difuso fazia lembra-la. Mas era
verdade que se conseguia reconhecer a luz de cada dia."
Tomo a liberdade de dizer
que o, lindíssimo, A praia dos inúteis é um livro sobre descobrimento de
valores, aqueles que estão mais intrínsecos em nós... aqueles que, por vezes, carecem
de esforço para serem vistos e reconhecidos. A relação de Sofia com o pai traz
isso à margem de forma bem humorada, direta e reflexiva.
"-É
bonito o que me conta, Sofia. Mas tudo o que essas pessoas fazem é inútil. Não
serve para nada."
Mas esse livro também é
sobre autoafirmação e autonomia:
"As
ondas são ondas. As gaivotas são gaivotas. As nuvens são nuvens. A Sofia só tem
de ser a Sofia. E é impossível que alguém seja melhor.
[...]
Eu
quero ser como eles.
Quero
ser inútil."
Espero que meu querido
leitor perceba a “força e delicadeza” nesta fala de Sofia. Na verdade, é um
grito, né?! Um grito por socorro, um grito que muitos carregam dentro de si, de
forma abafada...
A abordagem de Alex
Nogués sobre o conceito de inútil não é, para a maioria, de fácil digestão,
porque vai contra todos os intuitos de trabalhar para ter dinheiro e depois
gastar o dinheiro enquanto está descansando. Para o autor, e concordo
plenamente com ele, “o inútil é antissistema”.
"Podem
me chamar de ingênuo por apresentar uma personagem como Sofia, revoltando-se
contra o mundo útil, mas considero isso um elogio. ‘Ingênuo’ tem a sua origem
etimológica no latim ingenuus, que significa ‘nascido livre’,
como todos deveríamos nascer e permanecer até o fim dos nossos dias."
Ficha técnica
Título original: La playa de los inúteles
Título brasileiro: A praia dos inúteis
Tradução: Maria João Moreno
As imagens utilizadas foram extraídas do site oficial da Editora Biruta.
Este texto foi revisado por Lorena Almeida.
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