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Proibido aos elefantes (Elefantinhos do mundo, uni-vos!)

Ensinar sobre inclusão às crianças não deve ser tarefa fácil mas, ainda mais difícil, penso eu, seja ensinar aos adultos já incutidos de preconceitos (e pré-conceitos) a lidar respeitosamente com o que é diferente pra eles. Para amenizar essas dificuldades, os livros (Sempre os livros!) são ferramentas incríveis e imprescindíveis!

 

Como já disse aqui outras vezes, gosto sempre de destacar a transparência e a coragem com que algumas editoras trabalham. Neste texto falarei de um livro infantil, publicado pela (super competente) Trioleca Casa Editorial.

 

O livro Proibido aos elefantes, assim como outras publicações da Trioleca, é uma ferramenta sensível, acolhedora e de fácil utilização para abordar temas como inclusão, amizade, medo, diferença, exclusão, solidariedade e solidão (Ficou uma listinha meio grande, mas é necessário. Eu não poderia deixar algum item desses de fora.).

 

Nessa história linda, escrita por Lisa Mantchev, o protagonista sente certa dificuldade em ter um elefantinho como animal de estimação, porque é difícil estar junto de outras crianças que têm bichinhos de estimação “normais” – tomei a liberdade de interpretar essa sensação do protagonista como uma sensação de deslocamento, causada pela exclusão sofrida por ele e por seu amiguinho.

 

Ninguém tem um elefante.

 

Apesar desse deslocamento, o personagem tenta viver sua vida normalmente: leva o elefantinho pra passear, o protege da chuva… e ainda assim, consegue ter um olhar para as lindas e boas características do bichinho. Acho tão bonito, por exemplo, como ele acredita que ser carinhoso é importante; na cena em que eles estão na chuva, ele está carregando um vaso de flores e o elefantinho cobrindo os dois com um guarda-chuva e ele diz:

 

Ele é um filhote muito carinhoso.

 

É importante a manifestação desse tipo percepção. Essa exposição da tomada de consciência da própria sensibilidade e, principalmente, essa capacidade de um olhar sensível.

 

Outro tema imprescindível abordado pela autora é a amizade. Ela o aborda em quatro momentos da história: quando diz que um amigo nunca se esquece do outro; quando mostra que uma das “funções” do amigo é ajudar em momentos de dificuldade; ao dizer que outra “função” de um amigo é ajudar superar o medo e, por último, quando ela fala de acolhimento.

 

É isso que um amigo faz: te levanta quando você está com dificuldade.

 

As duas cenas que correspondem a esta citação são maravilhosas (Mérito da artista Taeeun Yoo), e ajudam a reforçar essa compreensão do protagonista sobre a amizade e a fragilidade do amiguinho. Esse tipo de sensibilidade, no olhar, em meu entendimento, deve ser trabalhado incansavelmente entre adultos e crianças. Precisamos disso, desse olhar sensível para o outro, para o belo!

 

Quando o personagem tenta levar o elefantinho para participar de uma reunião no “Clube Amigos dos Animais”, eles se deparam com a exclusão de forma mais direta. Ora, é um clube para amigos dos animais, mas é “proibido aos elefantes”!

Então, depois de serem expulsos pelas crianças carrancudas do clube, eles voltam pra casa mas, desta vez, o elefantinho é quem conduz o garoto... Mesmo com muito medo de passar pelas rachaduras na calçada, o bichinho guia seu amigo para tentar confortá-lo:

 

É isso que um amigo faz: supera seus medos para vir em sua ajuda.

 

Para mim, o mais bonito, é que todas essas percepções entre os dois personagens principais não se dão “apenas” através do texto, mas indispensavelmente a partir das ilustrações. Eles “ se conversam”, “se sentem” a partir de suas reações/expressões.

 

No caminho de volta, na chuva, eles estão tão tristes com a exclusão e o preconceito, que não percebem as sutis presenças de um porco-espinho e um gambá; mas, apesar do cenário chuvoso e acinzentado, eles mantêm seus coloridos individuais.

 

Quando a chuva passa, eles encontram com uma garotinha que segura o gambazinho, todo aninhado no colo dela, e que entende o preconceito/a exclusão que, apesar de implícita, estava lá:

 

A placa não proibia a entrada dos gambás, mas ninguém veio brincar com a gente – ela disse.

 

Na cena seguinte, subjetivamente, a garota critica o julgar sem conhecer:

 

– Cheira, ele não tem cheiro ruim! – ela acrescentou

 

Ou seja: “Dizem que gambás fedem, mas nunca cheiraram para dizer se sim ou se não!” (Nessa cena, quero só destacar que o elefantinho cheirando o gambazinho com a tromba é a coisa mais fofa!)

 

E então, de maneira bem clara (E linda!), os bichinhos “diferentes” vão aparecendo, e se juntando ao garoto e à garota, para fundarem “todos juntos” um clube acessível a todos! São cenas repletas de diversidade e leveza! Coisa mais gostosa de ver/ler!

 

Nas cenas seguintes, já na organização do clube, há uma sutil menção à questão da unidade e também do trabalho em equipe, desta vez, através do texto:

 

– Podemos brincar ali! – disse um dos nossos novos amigos.

– Todos juntos.

 

Apesar de não ser realmente necessária, a frase “Todos juntos.” foi adicionada e tomo a liberdade de interpretá-la, também, como reforço da importância da união e da igualdade.

 

Como você, caro leitor, pode constatar, esse é um livro lindo e muito necessário para todos os dias de nossas vidas! E também das vidas das crianças! A importância que se dá à amizade e ao respeito ao outro, através de um texto curtinho e ilustrações incríveis, é de uma relevância imensurável!

Devo ainda mencionar, que em uma busca rápida na Internet, encontrei vídeos de algumas escolas (públicas e particulares) que adotaram o livro, no caso das públicas, adquiriram para as bibliotecas, e estão utilizando nas atividades pedagógicas!

 

Trata-se de um produto de capa dura, papel mais espesso, material de boa qualidade, muito bem revisado mas, principalmente, trata-se de um livro pensado para o bem do leitor e do mediador!

 

Não deixe de ler esse livro para sua criança e para você mesmo! Ele é essencial!

 

Trioleca, parabéns e obrigada por suas publicações! Todas elas!


Ficha técnica

Título original: Strictly no elephants

Título brasileiro: Proibido aos elefantes

Autor: Lisa Mantchev

Tradução: Angélica Pozzani

Ilustrações: Taeeun Yoo

Editora: Trioleca Casa Editorial

 

As imagens utilizadas foram extraídas do site oficial da Editora Trioleca.

Este texto foi revisado por Lorena Almeida.


Com carinho, Cotovia Literária!

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