Uma criança de dez
anos de idade com a altura de uma criança de quatro anos, um adulto com sua
autoestima negativamente afetada e com dificuldade para relações interpessoais
e para demonstrar seus sentimentos. Esses e uma infinidade de outros traumas
podem ser listados como resultantes do abuso sexual. Quantos adultos que conhecemos
tiveram suas infâncias violadas por familiares ou amigos próximos e
“confiáveis”?
Estamos no século XXI
e ainda é comum sabermos sobre relatos e denúncias de abuso sexual infantil.
Mesmo em tempos modernos, crianças continuam sendo violentadas. Diante disso,
surgem questionamentos sobre como alertar os pequenos, protegê-los e também
educá-los a não violar. Algumas publicações editoriais, como Não me toca,
seu boboca (Andrea
Viviana Taubman; Editora Aletria; 2017) e Você é dono do seu corpo (Cornelia
Maude Spelman), são populares quando buscamos algum auxílio literário para
esses questionamentos, com direcionamento para crianças na fase da primeira
infância (de zero a seis anos). Ainda assim, o alcance é muito discreto, devido
à resistência de instituições educacionais (e também de alguns adultos) em
abordar o tema em sala de aula (ou em casa). Esse tabu a modernidade também não
foi capaz de derrubar.
Felizmente é possível
encontrar no mercado editorial, profissionais e empresas que, mesmo cientes
dessa resistência, insistem na publicação de obras que se fazem úteis e
esclarecedoras.
Lançado pela editora
Abacatte em junho de 2019, o livro Leila chegou ao mercado livreiro para
fortalecer a luta contra o abuso sexual, não “apenas” infantil, mas também
adulto. Apesar de, oficialmente, ser indicado para crianças entre oito e nove
anos, esse livro pode ser direcionado ao público de qualquer idade, pois a
abordagem sobre um assunto tão pesado é feita delicadamente pelas mãos
talentosas da ilustradora Thais
Beltrame e do autor Tino
Freitas, que nos apresentam como personagens principais a baleia Leila e o
polvo Barão.
Com uma linguagem
poética, como em:
Ele a beijou no rosto, como quem rouba algo de uma criança.
os dois artistas
narram a história de Leila, uma baleia que ama seus longos cabelos anelados e
gosta de nadar livremente com fones de ouvido, mas que um dia é abordada por seu
vizinho polvo, o Barão. Ele a acompanha durante seu passeio, mesmo sem a
permissão dela. Se sentindo intimidada e com medo, Leila se cala diante do
beijo dado em seu rosto pelo Barão, que, depois de mexer na alça de seu
biquíni, também corta seu cabelo, pois é assim que ele gosta: curto. Depois,
como todo abusador, o polvo “pede” segredo à baleia e diz que pode dar a ela vários
biquínis, pois o dela está “meio torto”:
Se você for gentil comigo, te darei biquínis ainda mais bonitos.
A partir desse momento,
Leila sente todo o peso daquela situação que a levou para o fundo do mar. Mas o
autor e a ilustradora narram, com palavras e imagens extremamente delicadas,
todo o trauma que pode acometer uma vítima de abuso sexual: dor, intimidação,
depressão, recolhimento, dificuldade com relações interpessoais, auto-estima
negativamente afetada, entre outros tantos, como se percebe nesta fala do
narrador do livro:
O desejo urgente de desaparecer e uma dor imensa, que lhe pesava no peito, arrastavam-na para o fundo do mar
O fundo do mar simboliza todo o
sentimento relacionado ao trauma sofrido por Leila, e posteriormente, ao voltar
à superfície, a baleia reencontra os amigos, sua vontade de viver e sua
liberdade.
Esse ressurgimento da bela baleia
também é narrado por Tino e Thais: ela emerge do fundo de sua depressão -
causada pelo abuso -, pois nasceu para ser “enorme e ser leve”; com
a ajuda de seus amigos, ela aprisiona o Barão com suas palavras de
empoderamento e força, e, depois, mesmo sem os longos cabelos que amava, ela
volta a nadar. Volta a ser uma baleia livre, declarando:
Eu decido se quero cortar meus cabelos! Ninguém pode me tocar contra a minha vontade!
É uma história curta e sensível!
Dessa forma, Leila pode ser o ponto de partida para que
crianças identifiquem algum tipo de abuso sofrido. O livro também pode ensinar
à criança (e ao adulto) o que é abuso e assédio. Pode educar pessoas para que
reflitam sobre seus atos, independente de essas pessoas serem homens ou
mulheres, adultos ou crianças.
Quantas Leilas e quantos Barões
circulam entre nós, sem que saibamos? E se soubermos, como reagir? Como
intimidar ações de Barões? E sobre as Leilas? Como podemos deixá-las fortes
para que tenham a mesma voz da baleia? Esse livro incrível chega para nos
ajudar a proteger nossas crianças, educá-las - para que se tornem adultos
decentes -; para educar, também, os adultos e dar voz a todas as Leilas que já
tiveram Barões em suas vidas. Para crianças, o livro traz personagens lúdicos,
em um cenário multicolorido e atrativo. Para os adultos, traz o alívio de ter à
disposição uma ferramenta contra o abuso. Para os Barões, Leila traz
o peso e a prisão da consciência e dos atos.
É isso que nos ensinam as belas ilustrações de Thais Beltrame e o texto sensível de Tino Freitas: nos ensina que os únicos caminhos para que não haja Barões são a prevenção e a educação. Você que é educador e/ou administrador de uma instituição educação, peça entre em contato com o divulgado de sua cidade e solicite que ele apresente esse livro incrível! Vamos juntos, ajuda a combater esse mal que ainda assola tantos lares!
DENUNCIE! DISQUE 100!
Ficha técnica
Título: Leila
Autor: Tino Freitas
Ilustrações: Thais Beltrame
Com carinho, Cotovia Literária!
Maravilhoso ♥️
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