Não me lembro em que dia da quarentena comecei a ler Minha vida na França, mas lembro de pegá-lo, porque o livro que li antes dele era denso e foi como se eu tivesse levado uma pancada na cabeça; então quis ler um livro leve, gostoso e apaziguador. Escolhi o livro da Julia Child, porque já tinha lido o Julie e Julia (Julie Powell; Record; 2019) e também assistido ao filme, de mesmo nome. Mas gente, não sei o que é melhor: uma pancada na cabeça ou uma pancada no coração.
A (auto) biografia dessa mulher incrível, que revolucionou a culinária norte-americana é, no mínimo, acolhedora. E neste post, vou me ater a comentários pessoais sobre essa experiência de leitura porque, sinceramente, não tenho vontade de mencionar edição, estrutura textual ou qualquer outro item relacionado à tecnicidade editorial. Minha pretensão, é compartilhar com quem acompanha esse blog literário, o que meu coração sentiu com a força de uma mulher maravilhosa, que aprendeu como se reinventar e como a persistência e a fé em si mesma pode mudar a vida de forma radical e doce.
Julia (que trabalhou para o serviço de Operações Especiais [OSS] durante a II Guerra Mundial) chegou, pela primeira vez, à Paris em 1948 com seu marido, Paul Child – diplomata norte-americano que trabalhava pelo Serviço de Informações dos Estados Unidos (USIS) - e toda a mudança deles, porque Paul havia sido transferido naquele ano. Boa parte das histórias narradas no livro aconteceram durante o tempo em que esse casal (maravilhoso) morava na França. Julia, uma mulher à frente de seu tempo, diz que nunca havia se sentido atraída pelo fogão, mas quando se viu ociosa em uma cidade como Paris e em uma época em que as mulheres estadunidenses “sofriam” do que a psicóloga Betty Friedan chama de A mística feminina, foi através da culinária que ela conseguiu se reinventar e amadurecer emocional e profissionalmente,
Decidida a não se entregar à ociosidade e ao que considerava frívolo, Child se matriculou na École du Cordon Bleu, onde, teoricamente, sua história com a culinária começou. Digo teoricamente, porque as descrições que Julia Child faz das experiências gastronômicas que ela tem com Paul, desde o primeiro dia deles na França, me deixaram com água na boca, e seu amor por essa cidade também me impressionou muito (além de ter enchido meu coração de esperanças)!
Contrastando com o que sentia por ela, um sentimento de pura felicidade me invadia toda vez que eu olhava pela janela. Cheguei à conclusão de que eu deveria ser francesa, só que ninguém jamais me informou sobre este fato.
Também através de sua história com a culinária, Julia Child faz duras críticas à indústria alimentícia estadunidense - o que me fez lembrar muito da Rita Lobo e seus livros incríveis para quem quer se alimentar bem e fazer economia -, quando começa a escrever o primeiro volume do livro Mastering the Art of French Cooking (1961) em parceria com suas amigas Louisette Bertoulle e Simone Beck, com quem também ensinou culinária em aulas particulares. A ideia principal do livro era ensinar culinária francesa à mulher estadunidense que não tinha empregada e que não possuía acesso aos ingredientes franceses, mas sim, aos produtos que lotavam as prateleiras dos supermercados norte-americanos:
[...] produtos que os rótulos anunciavam como ‘gourmet’, mas que não eram: caixas de misturas para fazer bolo, jantares prontos, legumes congelados, cogumelos enlatados, peixe empanado [...] e muitas outras dessas porcarias revoltantes.
Enveredando por esses aspectos, Child narra com muita graciosidade como foi o árduo processo de feitura de um livro de culinária honesto – desde a decisão de fazê-lo até à fase final (Existe fase final de um livro? EU acho que não!). É muito impressionante, pra mim, saber que a disseminação da alimentação industrializada/(multi)processada perdura até hoje, e como as populações não entendem o valor de se preparar a própria comida! Preciso dizer, que essa minha conscientização, foi iniciada pelas “aulas” e pelos livros de Rita Lobo, e reforçada pela autobiografia de Julia Child.
Dito isto, e tentando não me alongar ainda mais, quero enfatizar como Julia me pareceu passear pela vida como se fosse um grande baile: com muita comida deliciosa, música boa e grandes amizades! A forma como ela sobrevive às adversidades e como ela faz da culinária o seu bote salva-vidas, me fez pensar na forma com a qual uso os livros como trampolim para mudanças (muito maiores) na minha vida pessoal e profissional. São descrições muito doces e parecem ter sido tiradas do fundo do coração de Child. Houve momentos em que eu poderia visualizá-la sentada, com o sol da manhã em seu rosto enquanto ela relembrava dos momentos incríveis que viveu intensamente! Recomendo a leitura dessa biografia, não “apenas” pela história, que é por si só maravilhosa de ler, mas também pela esperança e força que essa narrativa despertou em meu coração.
Mas ela [cidade de Marselha] me deu a impressão de ser um caldo espesso feito de vida vigorosa, emocional, desinibida, uma verdadeira ‘bouillabaisse’ urbana, como disse Paul.
O “Minha vida na França” é muito mais que um livro sobre a história de uma grande mulher! Ele é também um livro sobre reinvenção, amizade e autoconhecimento. É possível que essa pandemia horrível pela qual estamos passando (escrevi este texto na véspera de minha volta ao trabalho, em meio à quarentena) tenha potencializado todos esses meus pensamentos/sentimentos; e se for isto, ainda assim me sinto feliz por ter sido tocada dessa maneira por um livro, porque o livro, pra mim, é como a culinária para Julia Child e para Rita Lobo: “objeto” de transformação!
Ps¹: se for pra ter um casamento como o de Julia e Paul Child, podem me arranjar um marido agora!
Ps²: o acervo fotográfico que o livro traz só aumentou a minha satisfação como leitora!
Ficha técnica
Título original: My life in France
Título original: My life in France
Título brasileiro: Minha vida na França
Autor: Julia Child com Alex Prud'homme
Tradução: Celina C. Falck-Cook
Com carinho, Cotovia Literária!
Comentários
Postar um comentário