Meu
interesse por livros sobre guerra nunca foi dos maiores, mas esse título logo
entrou para a minha lista de platonices literárias. Ainda bem! Já posso dizer
que também gosto dos livros sobre guerra.
Resultado
de uma minuciosa pesquisa da autora Molly Guptill Manning, Quando os livros foram à guerra
narra a importância dos livros durante a Segunda
Guerra Mundial, apesar da queima de milhares de exemplares por Adolf Hitler, na
Bebelplatz* (Confesso que, quando li esse capítulo,
engordei alguns quilos com o choro que engoli.). Manning narra, com riqueza de
detalhes históricos, como os aliados utilizaram os livros contra a guerra.
A
partir do momento em que se reconheceu a promoção de uma guerra intelectual por
Hitler, em meio à guerra bélica, os EUA começaram trabalhar para vencer a Segunda Guerra
Mundial, junto com seus aliados, utilizando os livros. Acreditaram que, além de
treinamento pesado, o exército precisava de “recreação
simples, popular e barata. Precisava de livros.”
Foi
surpreendentemente boa a forma como a autora me deixou ansiosa pelas páginas
seguintes, por exemplo, como quando ela narra a criação da Army Library Service
(Serviço de Biblioteca do Exército), em 1921, utilizando dados históricos de
maneira dinâmica e entusiasta. O surgimento desse (fantástico) serviço começou depois
da Primeira Guerra Mundial, quando os livros se tornaram artigos de primeira
necessidade nas instalações militares; foi o pontapé inicial para o que eu
(modestamente) considerei uma autêntica revolução literária e editorial. Li o
capítulo todo, tentando visualizar o trabalho de modernização dos acervos
militares, a forma como os livros foram escolhidos, catalogados, comprados…
Achei
incrível como Manning despertou em mim outro olhar sobre a guerra! Nunca
imaginei ter havido tanto esforço para explicar aos soldados o motivo da guerra, enquanto ela ocorria; ao mesmo tempo vários livros eram enviados para recreação desses soldados. A forma como essa autora me fez
pensar um pouco mais na vida sob uma economia de guerra, imaginar que soldados
buscavam nos livros atrativos para preencher os vazios trazidos pela guerra, que
homens feridos encontraram nos livros esperança e cura, como na história de
Charles Bolte, que teve uma das pernas amputada enquanto estava na África:
Embora outras muitas coisas tenham ajudado Bolte a se curar, ele colocou as dezenas de livros que leu como a mais importante delas.
Durante
o período de sua hospitalização, Bolte recebeu visita do amigo que estava sendo
tratado por um ferimento a bala. No hospital, o amigo segurava um exemplar de A quinta coluna (Ernest Hemingway), como se fosse um troféu. Neste livro através
de um personagem de Hemingway que encontrou no choro o alívio para as dores causadas pela perna quebrada, o soldado Bolte, que até então não havia se permitido chorar, também
encontrou seu conforto para todas as preocupações que o rondavam: cobria a
cabeça e se permitia tentar chorar.
O que acontece durante a convalescença de um ferimento grave pode amargurar ou adoçar um homem para sempre.
Além
de histórias como a do soldado Bolte, não é difícil encontrar citações
emocionantes e sensíveis, como o trecho de Aeropagitica, de John Milton,
que fala sobre a importância dos livros coletados no Victory Book Day**:
Os livros não são coisas mortas, pois contêm em si uma potência vital capaz de torná-los tão ativos quanto os espíritos dos seus progenitores. Mais do que isso, preservam como numa ampola, a mais pura eficácia e essência daquele intelecto vivo que o gerou.
Outro
assunto muito interessante abordado pela autora é a “transição” de livros com
capa dura para livros com capa em brochura. Manning ressalta a importância dos
livros no formato brochura, que ajudaram no manuseio pelos combatentes: mais
leves, menores e mais baratos. É incrível (Pelo menos para mim!) imaginar que
houvesse “preconceito social” contra livros nesse formato. Tudo bem que os
livros com capa dura sejam mais robustos, com melhor acabamento e blá, blá,
blá… mas o que interessa não é o conteúdo? Não é o impacto que o texto causa no
leitor? Assim como nas pessoas, não é o conteúdo que realmente deve ser levado
em consideração?
A
importância de publicações em formatos adequados às vidas dos soldados era
tamanha que, em março de 1942, foi criado o Conselho sobre Livros em Tempos de
Guerra. A criação desse conselho uniu a indústria bélica e a indústria
editorial, para que os aliados vencessem a Segunda Guerra Mundial.
‘Os homens de letras dividiam a responsabilidade com os fabricantes de armas e quem as usava’
O
objetivo da criação desse Conselho era “[...]
estudar como os livros poderiam servir ao país durante a guerra.”, e
durante toda sua existência, teve como slogan: “Livros são armas na guerra
de ideias.”
Como
a autora conta, nem tudo foram flores, e as dificuldades tiveram que ser dribladas,
mesmo após a criação do Conselho e da Armed Service Edition (Que, a grosso modo,
era uma editora militar.). A escolha dos títulos foi um grande impasse nessa
força-tarefa, porque esbarrava na censura feita por alguns membros do Conselho (E também
dos governos.).
Mas
essas dificuldades aos poucos foram vencidas e, graças ao apoio de autores e
editores, os mais diversos títulos e gêneros foram distribuídos para os
soldados da Segunda Guerra Mundial. Uma prova disso é a declaração de um
soldado, que Manning menciona em um dos capítulos:
Desde a infantaria aerotransportada das linhas de frente até o Corpo de Finanças da retaguarda, você encontrava rapazes lendo como jamais haviam lido antes.
Uma característica muito importante e interessante do livro é a forma como Manning
narra algumas histórias, sobre como os livros ajudaram os soldados a superar as
mais diversas situações estressantes e perigosas nos campos de batalha. Um
exemplo que me chamou muita atenção foi o caso de um soldado raso que havia
lido alguns capítulos do livro Queen Victory, mas sua unidade foi convocada para os campos de batalha repentinamente;
rapidamente ele colocou seu livro no bolso. Durante a batalha, enquanto as
balas “zuniam”, esse soldado começou a entrar em pânico e achou que seria
seguro correr pra um lugar com arbustos e moitas, mas o que ele achava ser uma
sólida barreira cedeu com seu peso e, ao aterrissar numa vala bem funda e
estreita, sentiu o livro em seu bolso. Enquanto bombas eram explodidas, ele
recomeçou a leitura.
O livro o acalmou e ocupou sua mente até que o bombardeio terminou, e ele pôde ser levado a um hospital. Dias depois, acamado, ele acabou de ler o livro.
Além
de tudo que já mencionei, vários outros assuntos são tratados nesse livro:
sexo, livros jogados no lixo, censura… Eu poderia escrever um
livro (Só que não!) falando sobre como o Quando
os livros foram à guerra é de suma importância para as aulas de edição,
para a literatura e para a história.
Muitas
informações dadas pela autora talvez sejam de conhecimento da maioria dos
leitores deste texto, mas acredito que quando expostas, da forma como estão,
nessa publicação maravilhosa, é que essas informações causem o impacto
necessário para que os livros sejam ainda mais valorizados. A
sensibilidade que as palavras de Manning “exalam” é muito tocante, contagiante!!!
Isso me fez questionar (ainda mais) o motivo de muitas pessoas não reconhecerem
o poder de transformação que os livros têm!
Ainda
em tempo, deixo aqui duas informações muito pertinentes e que me chamaram
atenção: na Alemanha, há um monumento que simboliza a queima dos milhões de
livros, mas, nos EUA, não existe nenhum monumento que simbolize a importância dos
livros na guerra.
E o governo teve mais uma boa ideia: os livros agora ajudariam os veteranos enquanto eles se preparavam para retomar sua vida como civis [...]
*Bebelplatz:
praça situada entre a Universidade Friederich Wilhelm e a Ópera de Berlim.
**Victory
Book Day: 17 de abril de 1942, sexta-feira, foi batizada assim, com o intuito
de impulsionar ainda mais as doações de livros para as instituições militares.
Ficha técnica
Título original: When books went to war
Título brasileiro: Quando os livros foram à guerra
Autor: Molly Guptill Manning
Tradução: Carlos Szlak
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