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Terra das Mulheres (Maravilha!)


A edição original do livro Terra das mulheres, publicado pela primeira vez em 1915, foi fonte de inspiração para “o criador de Mulher-Maravilha e suas amazonas” e é, no mínimo, impactante. Mas o prefácio da edição brasileira, publicada pela Editora Rosa dos Tempos, me deu a impressão de que a distopia da autora inglesa, Charlotte Perkins Gilman (Que também é autora do livro Papel de parede amarelo.), não seria daquelas de tirar o fôlego, porque questiona pontos que são justificáveis, não só pela época (Antes da década de 1920.), mas também pela própria narrativa de Gilman.
O fato é que me enganei e a ressaca literária me ataca até o momento em que publico este texto.


[...] não existe horror absoluto, assim como não existe paraíso absoluto que satisfaça a todos, o que torna Charlotte Perkins Gilman [...], uma ficcionista de coragem ao ousar tocar em um dos temas mais difíceis que o gênero literário pode abordar: a igualdade.


Meu conselho é que você não comece a ler esse livro esperando por aventuras incríveis e momentos de tensão, porque não encontrará. Você encontrará um prefácio curioso e, as mais de duzentas páginas que o seguem, apresentam narrativa feita por um homem heterossexual, sobre uma terra onde a população é estrita e naturalmente feminina desde dois mil anos antes.

Um matriarcado em perfeito estado de funcionamento (Em minha opinião!), baseado no socialismo utópico e flertando com o comunismo e o protestantismo:


[...] Lançado dois anos antes da revolução Russa, a narrativa ousa flertar com uma ideia de socialismo utópico, [...] fundada principalmente na ideia do trabalho, da cidade-trabalhadora e da cooperação, num crossover muito inventivo entre o comunismo e o protestantismo.


Abordagens muito interessantes sobre maternidade, sexualidade e educação, entre tantos outros aspectos, são propostas e bem feitas por Gilman. Agora, percebo que essas abordagens vão muito de encontro com o que Betty Friedan propõe no fabuloso, A Mística Feminina (Rosa dos Tempos; 2020), como a obrigatoriedade das funções (Cof! Cof!) femininas, por exemplo.

 [...] bebês nascem por geração espontânea, unicamente por meio do desejo das mulheres que lá vivem.


Ou seja, as mulheres, dessa terra incrível, só se tornam mães se assim o desejarem; não há gravidez não planejada! Por isto, acredito que o aborto nessa terra não seja cogitado.

[...] elas eram Mães, não no nosso sentido de fecundidade involuntária, forçadas a preencher e transbordar a terra [...]; mas no sentido de Geradoras Conscientes de Pessoas.


O assunto sobre maternidade espontânea é retomado inúmeras vezes durante a narrativa, principalmente quando o personagem-narrador, o explorador Vandyck Jennings, expõe seus questionamentos a respeito do papel masculino vs. papel feminino naquela comunidade, conversando com as guias daquela expedição. A ideia de que um número considerável de mulheres não precisavam de homens para se organizarem no sentido sexual, social e educacional, perturba esse personagem muito claramente.


A tradição de homens como guardiões e protetores havia desaparecido. Essas virgens não temiam homem algum e, portanto, não precisavam de proteção.


Aquelas mulheres se organizaram de forma muito eficiente, principalmente no sentido educacional; ao ler a descrição do sistema de educação daquela Terra, imediatamente me lembrei do método Paulo Freire: dinâmico, eficiente e cidadão.
-[...] Nossos melhores esforços, ao longo de toda a infância e juventude, são para desenvolver estas faculdades: julgamento individual e força de vontade. 
-Como parte do sistema educacional? 
-Exatamente. A parte mais valiosa. 


Um livro com excelente abordagem sobre temas que para sociedade atual são considerados comuns, mas que para a época da publicação (Lembrando: antes da década de 1920!) eram considerados vanguardistas. Penso que, precisar abordar tão urgentemente esses assuntos, como precisamos fazer atualmente, é no mínimo para deixar nossos cabelos em pé e nos abatermos pela mesma vergonha e tristeza que o narrador Van foi abatido, ao ter que mencionar à população da Terra das Mulheres alguns de nossos problemas e defeitos relacionados à condição social das mulheres em nossa “terra”:

[...] As rachaduras e os problemas insolúveis de Terra das mulheres são um terreno fértil que nos permite sonhar com novas utopias, assim como Charlotte Perkins Gilman ousou sonhar um dia.


Mas é pra isso que servem os livros, não é mesmo?! Para nos fazer evoluir e repensar “a vida, o universo e tudo mais”...

Ficha técnica:
Título original: Herland
Título brasileiro: Terra das Mulheres
Autor: Charlotte Perkins Gilman
Tradução: Flávia Yacuban


Com carinho, Cotovia Literária!

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